Entende-se que o currículo está diretamente relacionado a nós mesmos, a como nos desenvolvemos e ao que nos tornamos. Também envolve questões de poder, tanto nas relações professor/aluno e administrador/professor, quanto em todas as relações que permeiam o cotidiano da escola e fora dela, ou seja, envolve relações de classes sociais (classe dominante/classe dominada) e questões raciais, étnicas e de gênero, não se restringindo a uma questão de conteúdos. Assim, o currículo é um importante integrante do dia-a-dia da escola que exercerá influência direta nos sujeitos que fazem parte do processo
O conceito de currículo como uma especificação precisa de objetos, procedimentos e métodos para obtenção de resultados que podem ser medidos passou a ser aceito pela maioria das escolas, professores, estudantes e administradores escolares.
No entanto, como esta questão apresenta grande importância no processo educacional, passou a ser vista como um campo profissional de estudo e pesquisas, fazendo com que surgissem outras teorias para questionar o currículo e tentar explicá-lo.
As teorias do currículo desempenham várias funções e se convertem em mediadores ou em expressões da mediação entre o pensamento e a ação em educação. Uma primeira conseqüência desse enfoque é a de que o professor, tanto como os alunos, é destinatário do currículo.
Essas teorias se convertem em referenciais ordenadores das concepções sobre a realidade que abrangem e passam a ser formas, ainda que indiretas, de abordar os problemas práticos da educação.
Algumas teorias sobre o currículo apresentam-se como teorias tradicionais, que pretendem ser neutras, científicas e objetivas, enquanto outras, chamadas teorias críticas e pós-críticas, argumentam que nenhuma teoria é neutra, científica ou desinteressada, mas que implica relações de poder e demonstra a preocupação com as conexões entre saber, identidade e poder.
TEORIAS DO CURRÍCULO
Teoria Tradicional
A teoria tradicional procura ser neutra, tendo como principal foco identificar os objetivos da educação escolarizada, formar o trabalhador especializado ou proporcionar uma educação geral, acadêmica, à população. Silva (2003) explica que essa teoria teve como principal representante Bobbit, que escreveu sobre o currículo em um momento no qual diversas forças políticas, econômicas e culturais procuravam envolver a educação de massas para garantir que sua ideologia fosse garantida. Sua proposta era que a escola funcionasse como uma empresa comercial ou industrial. Segundo Silva (2003, p.23) apud Hornburg e Silva (2007):
[...] de acordo com Bobbit, o sistema educacional deveria começar por estabelecer de forma precisa quais são seus objetivos. Esses objetivos, por sua vez deveriam se basear num exame daquelas habilidades necessárias para exercer com eficiência as ocupações profissionais da vida adulta.
O modelo que Bobbit propunha era baseado na teoria de administração econômica de Taylor e tinha como palavra-chave a eficiência. O currículo era uma questão de organização e ocorria de forma mecânica e burocrática. A tarefa dos especialistas em currículo consistia em fazer um levantamento das habilidades, em desenvolver currículos que permitissem que essas habilidades fossem desenvolvidas e, finalmente, em planejar e elaborar instrumentos de medição para dizer com precisão se elas foram aprendidas. Estas idéias influenciaram muito a educação nos EUA até os anos de 1980 e em muitos países, inclusive no Brasil.
Tyler também determinou como identificar ou onde encontrar as respostas às perguntas por ele propostas para elaborar o currículo. Para Tyler, deveriam ser feitos estudos sobre os próprios aprendizes, sobre a vida contemporânea fora da educação, bem como obter sugestões dos especialistas das diversas discipli- nas. (SILVA, 2003). Mas, para fazer esse levantamento, as pessoas envolvidas deveriam respeitar a filosofia social e educacional com a qual a escola estivesse comprometida e a psicologia da aprendizagem.
Numa linha mais progressista, mas também tradicional, apresenta-se a teoria de Dewey, na qual aparecia mais a preocupação com a democracia do que com o funcionamento da economia. (SILVA, 2003). Essa teoria dava, também, importância aos interesses e às experiências das crianças e jovens. Seu ponto de vista estava mais direcionado à prática de princípios democráticos, sendo a escola um local para estas vivências. Em sua teoria, Dewey não demonstrava tanta preocupação com a preparação para a vida ocupacional adulta. A questão principal das teorias tradicionais pode ser assim resumida: conteúdos, objetivos e ensino destes conteúdos de forma eficaz para ter a eficiência nos resultados.
Teoria Crítica
Em meio aos muitos movimentos sociais e culturais que caracterizaram os anos de 1960 em todo o mundo, surgiram as primeiras teorizações questionando o pensamento e a estrutura educacional tradicionais, em específico, aqui, as concepções sobre o currículo. As teorias críticas preocuparam-se em desenvolver conceitos que permitissem compreender, com base em uma análise marxista, o que o currículo faz. No desenvolvimento desses conceitos, existiu uma ligação entre educação e ideologia.
A ênfase das teorias críticas estava no significado subjetivo dado às experiências pedagógicas e curriculares de cada indivíduo. Isso significava observar as experiências cotidianas sob uma perspectiva profundamente pessoal e subjetiva, levar em consideração as formas pelas quais estudantes e docentes desenvolviam, por meio de processos de negociação, seus próprios significados sobre o conhecimento. Embora tenham tentado identificar tanto as teorias marxistas como as ligadas à fenomenologia com o movimento reconceptualista, os pensadores ligados às idéias marxistas não queriam muito essa identificação em virtude do aspecto estritamente subjetivo de sua teoria.
Silva (2003) cita um movimento crítico em relação às teorias de currículo que ocorreu na Inglaterra, com Michael Young. Essa crítica era baseada na sociologia e passou a ser conhecida como Nova Sociologia da Educação. Diferentemente das outras teorias que tinham como base as críticas sobre as teorias tradicionais de educação, esta tinha como referência a antiga sociologia da educação, que seguia uma tradição de pesquisa empírica sobre os resultados desiguais produzidos pelo sistema educacional, preocupada principalmente com o fracasso escolar de crianças das classes operárias. Porém, essas pesquisas fundamentavam-se nas variáveis de entrada, classe social, renda e situação familiar, e nas variáveis de saída, resultado dos testes escolares, sucesso ou fracasso escolar, deixando de verificar o que acontecia entre esses dois pontos.
São as ações implícitas que caracterizam o currículo oculto. Estão presentes, mas não estão organizadas ou planejadas no currículo e tanto podem ser positivas como negativas. Para as teorias críticas, estas ações geralmente ensinam o conformismo, a obediência e o individualismo, ou seja, comportamentos que mantêm a ideologia dominante.
Teorias pós-críticas
É possível analisar as teorias pós-críticas considerando o currículo multiculturalista, que destaca a diversidade das formas culturais do mundo contemporâneo. O multiculturalismo, mesmo sendo considerado estudo da antropologia, revela que nenhuma cultura pode ser julgada superior a outra. Em relação ao currículo, o multiculturalismo aparece como movimento contra o currículo universitário tradicional que privilegiava a cultura branca, masculina, européia e heterossexual, ou seja, a cultura do grupo social dominante.
A partir desta análise, houve a proposição de que o currículo também incluísse aspectos de formas mais representativas das diversas culturas dominadas. Assim surgiram duas perspectivas: a liberal ou humanista e a mais crítica.
A linha liberal defende idéias de tolerância, respeito e convivência harmoniosa entre as culturas, e a visão crítica pontua que, dessa forma, permaneceriam intactas as relações de poder, em que a cultura dominante faria o papel de permitir que outras formas culturais tivessem seu “espaço”. De acordo com Silva (2003, p. 90): “O multiculturalismo mostra que o gradiente da desigualdade em matéria de educação e currículo é função de outras dinâmicas, como as de gênero, raça e sexualidade, por exemplo, que não podem ser reduzidas à dinâmica de classe”.
As desigualdades criadas dentro do processo escolar não aparecem apenas nas relações de poder entre grupos dominantes a partir de questões econômicas, mas também nas diferenças raciais, de sexo e gênero, quando são colocados como dominantes valores, como a superioridade masculina e a branca.
CONCLUSÃO
Diante do exposto é possível constatar que nas primeiras teorizações sobre o currículo, este teve papel puramente burocrático e mecânico, com questões relacionadas a procedimentos, técnicas, métodos e avaliação, comparando a escola a uma empresa. As teorias tradicionais se apresentam, assim, como neutras, científicas e desinteressadas, já que os saberes dominantes representam a existência do que ensinar e as técnicas existentes, já definidas cientificamente, servem justamente para que o ensino re realize. Por isso, resta apenas transmitir o conhecimento inquestionável, de forma bastante organizada, utilizando-se, para tanto, das técnicas desenvolvidas pela ciência.
As teorias críticas e pós-críticas não aceitam esses argumentos, apresentando questionamento sobre o porquê de se trabalhar determinados conhecimentos e não outros, tentando desvelar a ideologia oculta sob o rótulo da neutralidade científica e privilegiando outras características, que, segundo elas, deveriam permear as discussões relacionadas ao currículo escolar. Surgiram para repensar este papel, que se diz neutro, no currículo tradicional, e questionar a pura transmissão de conhecimentos elaborados por um determinado grupo. As teorias críticas, por sua vez, atacaram as perspectivas empíricas sobre o currículo tradicional.
Compreender as teorias do currículo foi relevante para entender a história e os interesses que envolvem a construção curricular, proporcionando um olhar mais crítico nos nossos currículos, o que eles trazem e fazem e em que precisam mudar.
REFERÊNCIAS
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 35.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.
GADOTTI, Moacir. Educação e poder: introdução à pedagogia do conflito. 9. ed. São Paulo: Cortez, 1989.
Nice Hornburg1
Nice Hornburg1
MOREIRA, Antonio Flávio; SILVA, Tomaz Tadeu da. (orgs.). Trad. Maria Aparecida Baptista. Currículo, cultura e sociedade. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2005.
PADILHA, Paulo Roberto. Currículo intertranscultural: novos itinerários para a educação. São Paulo: Cortez: Instituto Paulo Freire, 2004.
SACRISTÁN, J. Gimeno. O currículo: uma reflexão sobre a prática. 3.ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.
SILVA, Tomaz Tadeu da Silva. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
3 comentários:
Ameiiii o seu blog, terei prova na quinta feira justo com essa matéria..ótimo..obrigada!!
como não amar este blog, ele quem fez entrar o que não entrava de jeito nenhum na minha cabeça
TEORIAS DO CURRÍCULO não é mais um bicho de 7 cabeças
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