Dentre os inúmeros instrumentos de que dispõe a sociedade para alcançar tão elevado objetivo está a religião, pois somente quando se coloca a questão da transcendência, a que se denomina Deus, encontra a comunidade humana e cada uma das pessoas individualmente, respostas às perguntas fundamentais que todos se colocam diante da vida. (CATÃO, 1995, não paginado).
A natureza religiosa do homem é anterior a qualquer religião. Essa extensão religiosa estimula o ser humano a buscar de forma dinâmica sua concretização plena e definitiva na constante superação e transcendência do que é considerado como limite.
Como ser espiritual o homem tem a necessidade de obter respostas a aspirações que a racionalização não consegue responder, tendo na religiosidade a possibilidade de estar em contato com o mundo sobrenatural permitindo na busca pela perfeição encontrar motivos fundamentais para a própria existência, como afirma Caron (1998, não paginado):
A pessoa humana, enquanto agente do seu desenvolvimento, busca cada vez mais a perfeição, o ideal de vida, a realização, a felicidade. Ela não existe nem age em compartimentos e sua experiência acontece numa determinada inserção sócio-cultural. Ela é sempre um todo, em constante busca de razões e de valores fundamentais da vida. O transcendente é o horizonte dessa busca.
Para a ciência, entretanto, tudo o que o homem é e sente – sua consciência – está diretamente ligada aos órgãos e não a uma parte espiritual, pensamento este que teve sua ascensão quando da ruptura entre materialismo e espiritualidade a partir do século XVI, na idade média, quando muitos pesquisadores buscaram compreender o homem e a vida a partir de uma perspectiva mais racional e palpável.
Cientistas como Descartes e Isaac Newton buscaram afastar suas idéias e proposições do foco da religião, criando a partir desse momento um grande abismo entre ciência e religião.
Porém, e mesmo com inúmeros debates entre fé e ciência, alguns estudiosos entendem que a fé (espiritualidade do homem), pode ser analisada a partir da própria projeção humana na história, sendo assim possível considerar a espiritualidade como parte inerente a existência humana, como diz Morais (1988, p. 34):
A religiosidade reflete uma contemporaneidade específica de topos[1] e logos[2] simultânea ao anuncio de um desejo de utopia. O corpo, em sua espiritualidade, em sua religiosidade, balança entre símbolos (teologia – ideologia) segundo os (des) compassos da realidade (vida – morte). E o faz de um jeito apaixonado, [...].
Lins[3] (2006, não paginado) afirma que mesmo que a religiosidade tenha como principal suporte a fé, é possível se utilizar do rigor metodológico da ciência para sistematizá-lo e comprová-lo:
No ser humano a fé e a razão estão intimamente relacionadas, de modo que não se pode falar de uma sem outra. [...] Há no ser humano um movimento de correspondência à fé, o que torna necessária a aprendizagem, e por isto o ensino. Deste modo, o ensino religioso se submete à fé. Razão e fé têm que estar vinculadas, pois o ser humano tem como característica a sua capacidade cognoscitiva. É na racionalidade que encontrará o caminho que será completado pela fé.
A espiritualidade (expressa na religiosidade) é, portanto, algo inerente ao ser humano, pois todo ser humano busca um sentido para a sua vida, ação na qual reside a sua espiritualidade, que significa a busca da própria essência interior, caso que se constitui uma aspiração de todo ser humano.
A aspiração religiosa, enquanto expressão de crenças em algo sobrenatural, é uma constante em todas as sociedades conhecidas até nossos dias, de forma a influenciar o psiquismo individual e as próprias instituições sociais através dos tempos, revelando atitudes e modos de agir que levantaram interesses dos mais variados estudos antropológicos, sociológicos e psicológicos.
Entretanto, tornou-se difícil “até mesmo para os antropólogos que mais estudaram a questão, definirem religião de modo a abranger todas as organizações concretas conhecidas e relacionadas com o sobenatural” (TOSCANO, 2002, p. 128), impedindo, assim um conceito preciso sobre o termo.
Cícero, na sua obra De natura deorum, (45 a.C.) afirma que o termo ‘religio’ se refere a ‘relegere’, reler, sendo característico das pessoas religiosas prestarem muita atenção a tudo o que se relacionava com os deuses, relendo as escrituras. Esta proposta etimológica sublinha o caráter repetitivo do fenômeno religioso, bem como o aspecto intelectual.
Já Agostinho de Hipona (século IV d.C.) afirma que religio deriva de religere, "reeleger". Através da religião a humanidade reelegia de novo a Deus, do qual se tinha separado. Mais tarde, Agostinho retoma a interpretação de Lactâncio[4].
Segundo Lactâncio Religião vem de “religare" no sentido de relação com entidade divina (FIGUEIREDO, 1995, p. 50) e o termo “religioso” deriva do latim “religio”, que designa a relação da pessoa com o Sagrado, supondo uma atitude de pertencer ao ‘Outro’ com que convive intimamente em seu mundo interior.
A religiosidade, expressa na crença do Sobrenatural, ou do Transcendente, é um fato universal em todos os tempos e culturas, levando-se a considerar que é uma intencionalidade da consciência humana, onde o homem como ser religioso acredita numa divindade, dentro ou fora de si, comprovando que a religiosidade é parte inerente da sua natureza, como afirma Oliveira (2007, p.37):
A busca do ser humano de relacionamentos com o sagrado pode ser constatada nos inúmeros elementos culturais, como festividades, edificações, textos e monumentos, entre outros, que se manifestam como referenciais de fé presentes no mundo.
O homem enquanto religioso é alguém que busca explicações que gerem conforto interior e que “perscruta o desconhecido em busca de respostas a seus questionamentos sobre o sagrado percebidos, presentes e diluídos no cotidiano” (OLIVEIRA, 2007, p.35), e é essa reflexão religiosa que favorecerá sua capacidade de transcender não apenas em seu espaço individual, mas também no social.
A religião, partindo desses princípios torna-se, então, um tema passível de discussões tanto no âmbito filosófico, como no antropológico e no psicológico por estar intrínseca à natureza humana de se voltar a um ser superior que o formou, Deus, o qual responde a variadas denominações de acordo com cada cultura. É o ato de formalizar através de um conjunto de práticas a busca de uma ligação com algo transcendente.
A busca humana por um Ser Superior está intimamente ligada a sua própria história e também a história da educação, sendo assim, crucial refletir sobre sua capacidade de transcender e historicizar em seu contexto sociocultural.
Desde os tempos mais remotos percebe-se a religiosidade humana em diferentes culturas como instrumento de desenvolvimento pessoal e interpessoal e até mesmo como meio de influência ideológica e de justificativas de poder, essas contradições sobre o objeto Religião levantaram uma série de abordagens até mesmo contraditórias entre vários estudiosos e cientistas que desenvolveram pesquisas a respeito da religiosidade humana.
Augusto Comte, filósofo francês, fundador da Sociologia e do Positivismo, “negou a autenticidade e validade da religião histórica, mas estruturou seu pensamento em torno de uma ‘religião positiva’” (OLIVEIRA, 2007, p. 37).
Já Herbert Spencer, filósofo inglês e um dos representantes do positivismo, “estimulou a religiosidade na perspectiva da etnologia, da história e da antropologia”, ou seja, a religiosidade a partir do estudo de fatos e documentos levantados pela etnografia no âmbito da antropologia cultural e social, buscando uma apreciação analítica e comparativa das culturas religiosas.
Esses dois teóricos se utilizaram da abordagem religiosa para consolidar suas posturas e suposições.
O cientista Carl Jung, que se destacou por articular o pensamento antropológico-religioso e psicológico-religioso – aliado com a filosofia, sociologia, teologia, entre outras áreas do conhecimento – contribuiu, para a compreensão da religião enquanto fenômeno, afirmou:
Deus é uma experiência primordial na vida dos seres humanos e, desde épocas imemoriais, a humanidade se entrega a um esforço inaudito para expressar e explicar, de algum modo, essa experiência inefável, a fim de integrá-la à sua vida, mediante a interpretação e o dogma [...]. (OLIVEIRA, 2007, p. 40.
Jung afirmava acreditar em Deus e tinha pensamentos fundamentados na psicologia ocidental, concebendo o espírito como uma função da psique.
Para muitos estudiosos a dimensão religiosa é um caminho para se penetrar no sentido mais profundo da existência humana possibilitando organizações de idéias e práticas, e nesse sentido, considerando o conhecimento religioso como patrimônio da humanidade torna-se relevante considerá-lo na sua forma institucionalizada como um conhecimento escolar, o que para Costella (2004, p.104):
[...] não pode prescindir da sua vocação de realidade institucional aberta ao universo da cultura, ao integral acontecimento do pensamento e da ação do homem: a experiência religiosa faz parte desse acontecimento, com os fatos e sinais que expressam o fato religioso, como todos os fatos humanos, pertencem ao universo da cultura e, portanto, tem uma relevância em sede cognitiva.
Em um documento da Secretaria de Estado de Educação e Cultura do Rio de Janeiro, elaborado no final da década de 70, encontra-se a seguinte citação: “A Educação Religiosa é um grande fator de liberação e de humanização dos educandos, pois contribui essencialmente para a compreensão do mundo e da vida à luz da fé” (SEEDUC RJ, [s/d], p.15 apud LINS, 2006, não paginado), nesse sentido, entende-se que para que ocorra o desenvolvimento total na formação de um indivíduo, que é o agente na construção do seu conhecimento, vale a existência da religião na forma institucionalizada de Ensino Religioso, exatamente porque, conforme autores da psicologia infantil e da adolescência como Erikson[5] e Giussani[6], o ER é fator presente no desenvolvimento integral da pessoa, não podendo ser descartado.
A religião, além de ser um fato integrante da formação plena da pessoa, estabelece ainda esta ligação com o ser divino, criador, de tal modo que as coisas passam a ser entendidas numa perspectiva que perpassa o subjetivo para o objetivo. A experiência religiosa se faz necessária, tanto do ponto de vista espiritual como do cognitivo, afetivo, social e moral, para que uma criança se desenvolva, é o que apontam pesquisas que analisaram escolas religiosas e não-religiosas, destacando-se a discussão apresentada por McKinney (2006 apud LINS, 2006).
A partir do prisma da filosofia religiosa, Penna (1999, p.27) faz o seguinte comentário:
Sobre os efeitos produzidos pela presença da religiosidade na cultura e no próprio indivíduo, tanto os apontam os que operam no estrito domínio da filosofia da religião como os que se situam nas áreas da psicologia, da sociologia e de outras ciências sociais. Não custa recordar o registro, em espaço anterior, da função integradora especialmente realçada pelos sociólogos, bem como, num plano estritamente ético, a célebre advertência de Dostoievski quando apontou para o fato de que “se Deus não existe, então tudo se torna permitido”, conseqüência terrível, dado que, se tudo é permitido, a convivência humana se tornará impossível.
Assim, se a religião for compreendida como elemento da cultura, será possível percebê-la necessária na formação de alunos da educação básica, já que a educação está inserida na cultura.
A aspiração religiosa inerente ao homem permite um aperfeiçoamento que ultrapassa os limites do cognitivo para alcançar o campo da moralidade, do emocional e fundamentalmente do seu relacionamento consigo mesmo a partir da sua relação com o Sagrado e as possibilidades positivas que esse relacionamento favorece.
Assim compreendido, o conhecimento religioso sistematizado torna-se objeto de uma reflexão crítica de uma dimensão universal da natureza humana que é a religiosidade, devendo ser compreendida com compromisso histórico diante da vida e do transcendente, objetivando contribuir para o estabelecimento de novas relações do ser humano consigo mesmo e com o Outro a partir do progresso da ciência e da técnica.
Entretanto, a configuração do ER passou durante séculos por inúmeros percalços quanto à sua natureza e forma de existir no cenário educacional brasileiro – como transmissão de religião, ou de uma religião – o que gerou uma compreensão e aceitação equivocadas pela forma inicial como se apresentou e como continuou a ser figurada na educação.
[1] Lugar do inconsciente; do Outro ou da manifestação da fala. O tema recorrente em literatura; motivo que se repete com freqüência (Dicionário Michaelis).
[2] O princípio de inteligibilidade; a razão. Segundo Heráclito, o princípio supremo de unificação, portador do ritmo, da justiça e da harmonia que regem o Universo. Segundo Platão, o princípio de ordem, mediador entre o mundo sensível e o inteligível.
[3] Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1972) e doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1989), atualmente é professora adjunta da Faculdade de Educação da UFRJ.
[4] Nasceu na África do Norte e foi discípulo de Arnóbio. Escreveu livros apologéticos explicando o cristianismo em termos que eram compreensíveis para pagãos intelectualizados, enquanto defendia-o contra idéias de filósofos pagãos (Fonte: Wikipédia).
[5] Erik Homburger Erikson (Frankfurt, 15 de junho de 1902 — Harwich, 12 de maio de 1994) foi um psiquiatra responsável pelo desenvolvimento da Teoria do Desenvolvimento Psicosocial na Psicologia e um dos teóricos da Psicologia do desenvolvimento.
[6] Luigi Giovanni Giussani (Desio, 15 de outubro de 1922 — Milão, 22 de fevereiro de 2005), foi um padre católico, educador e intelectual italiano; autor de numerosos ensaios que foram traduzidos em diversas línguas.
Um comentário:
Oba! Selinhos de presente...são lindos!
Obrigada, amiga!
Beijinhos!
Olímpia ♥
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